terça-feira, 18 de maio de 2010

Uma corte no país das maravilhas


No último final de semana fui ao cinema para tentar me distrair da vida estressante que escolhi como sacerdócio. A vida de advogado e professor universitário é tanto interessante quanto estressante. A pérola escolhida foi o inesquecível filme “Alice no País das Maravilhas” em sua nova adaptação.

O filme gira em torno de um conto onde uma bela jovem passa literalmente através de um portal de sonhos, adentrando em universo totalmente diferente e imaginário. Lá os animais falam; as cartas de baralho fazem parte de um exército; os julgamentos da Rainha não admitem defesa e sempre terminam com penalidade capital: “corta a cabeça”; uma enorme lagarta azul se apresenta como o oráculo que sabe tudo; as pessoas podem encolher e ficar gigantes ao beber simples tônico, é uma verdadeira e inebriante estória de fadas.

Mantendo a mania de criar sempre um mundo fantasioso, entrei em outro portal, voltanndo no tempo. Era por volta de 1964, lá não existiam animais falando; nem exército de cartas de baralho; nem largata azul que "sabe tudo". Muito pelo contrário, o exército era composto por homens bem armados e treinados, e até existia uma espécie de “homem que pensa saber tudo”, mas os julgamentos tinham direito a defesa, mesmo perdendo para o poderoso Estado de então.

As decisões poderiam até ser injustas ou ilegítimas diante da “ditadura”, mas os advogados tinham direito a voz, tinham direito de fazer a indispensável sustentação oral, ou quando menos, pedir a “palavra pela ordem”.

Não me contentei com esse primeiro portal, e sai de 1964 indo para outro ano qualquer, por ironia do destino, lá encontrei uma Corte no País das Maravilhas.

Nessa Corte maravihosa, os julgadores recebiam os advogados em audiência; os processos andavam sem a necessidade dos advogados se humilharem; durante os julgamentos era concedida, respeitosamente, a palavra aos advogados no estrito respeito do direito de defesa, e mesmo atrasando-se um pouco o julgamento ganhava a justiça, vencia a paridade de armas nos processos que se buscavam a verdade real.

A exemplo de Alice no País das Maravilhas, logo me belisquei no braço e por pura infelicidade, acordei. Que pena, acordei!!!

Voltei para o mundo real onde, em alguns Estados, raros são os juízes que escutam os advogados, e muitas vezes, por desconhecimento da lei ou do processo, têm receio de conceder a palavra para simples esclarecimentos de fato. Nesse universo colegiado nega-se até direito sagrado do uso da palavra na tribuna “pela ordem”, passando o julgamento pelo voto de juizes vogais desapercebidos.

O direito de voz aos advogados é assegurado pelo brioso Estatuto da OAB, embasado do princípio da indispensabilidade do advogado para administração da Justiça, petrificado no art. 133 da Carta Política, mas aqui, algumas vezes, lei é um mero detalhe.

Em verdade o acumulo de serviço tirou o brilho dos Tribunais Superiores, com julgamentos judiciosos e esclarecidos, para aplicar julgamento em bloco com centenas de recursos, sem ao mesmo nominar as partes que estão sendo julgadas e ler o resumo das decisões.

Os Tribunais Superiores exigem a interposição de recurso aclaratório para prequestionamento, e os inferiores cominam severas penas de multa pelo exercício do dever exigido, que se não obedecido, inviabilizará a subida do recurso.

Parece até brincadeira, mas é nesse paradoxo em que vivem os sofridos advogados em alguns Estados, que sem defesa, esperam muitas vezes passarem por um portal mágico para ficar diante de uma “Corte no País da Maravilhas”.

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