sexta-feira, 28 de maio de 2010

Ficha suja II – Mão à Palmatória


Anteriormente já havia tratado sobre o projeto ficha limpa, criticando severamente o Congresso Nacional pela inércia que levou a ultrapassar o período normal para a reforma eleitoral previsto no art. 16 da Constituição Federal.

Como diria meu saudoso avô paterno, Hilton Souto Maior, em certas situações é necessário “dar mão à palmatória”, eis que nos últimos dias o Senado Federal, finalmente, aprovou o projeto ficha limpa com subatanciais alterações ao texto inicial.

Malgrado mutilado o projeto ficha limpa foi aprovado e deve repercutir nas próximas eleições, inclusive, com aplicação para casos ocorridos antes de sua vigência.

Particularmente posiciono-me contrariamente à aplicação do projeto ficha limpa, que alterou a Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), pois, entendo ser inconstitucional por violação ao princípio da presunção de inocência. Quanto a esse aspecto caberá a última palavra ao Supremo Tribunal Federal.

Enquanto não houver pronunciamento da nossa Corte Constitucional, fica uma primeira interpretação cabível aos juízes e tribunais inferiores. Com uma primeira questão acerca da aplicabilidade ou não das alterações do ficha limpa já para essas eleições.

Muito embora discorde da aplicação de qualquer lei alteradora de norma eleitoral, após o período fixado no art. 16 da Constituição Federal, cumpre ressaltar que não é de hoje que o STF e o TSE deixaram de lado a aplicação do princípio da anterioridade das normas eleitorais.

Pelo princípio da anterioridade da norma eleitoral, nenhuma lei de cunho eleitoral poderá ser aplicada à eleição quando for criada ou modificar a menos de um ano da data das eleições.

Em que pese nosso modesto entendimento, é de ser ressaltado que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.741/DF, que teve como relator o hoje Presidente do TSE, Ministro Ricardo Lewandowski, entendeu pela aplicabilidade imediata da Lei nº 11.300/2006, mesmo tendo sido aprovada a menos de um ano da eleição de 2006, sob o fundamento de não violar o princípio da anterioridade eleitoral.

A segundo a decisão do STF o referido texto legal não alterou o processo eleitoral propriamente dito, e, sim, estabeleceu novas regras de caráter eminentemente procedimental que visavam à promoção de maior equilíbrio entre os candidatos.

Em outras palavras, não será surpresa se o Tribunal Superior Eleitoral, com respaldo nos precedentes do Supremo, definir como aplicável para as eleições de 2010, as alterações que impedem as candidaturas de cidadãos condenados ou cassados por órgãos colegiados, ainda que passíveis de recurso para os tribunais superiores respectivos.

As alterações do então projeto ficha limpa, em que pese sua aparente legitimidade e a busca pela moralização, ataca a segurança jurídica, mitiga o direito de defesa e a dignidade da pessoa humana, que juntos com a presunção de inocência são instrumentos limitadores dos excessos de qualquer dos Poderes Estatais.

De uma forma ou de outra ao eleitor brasileiro resta esperar que os fichas sujas juntem seus cacos, pois se depender do Judiciário Brasileiro, eles não serão candidatos, nem aqui nem na China.

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terça-feira, 18 de maio de 2010

Uma corte no país das maravilhas


No último final de semana fui ao cinema para tentar me distrair da vida estressante que escolhi como sacerdócio. A vida de advogado e professor universitário é tanto interessante quanto estressante. A pérola escolhida foi o inesquecível filme “Alice no País das Maravilhas” em sua nova adaptação.

O filme gira em torno de um conto onde uma bela jovem passa literalmente através de um portal de sonhos, adentrando em universo totalmente diferente e imaginário. Lá os animais falam; as cartas de baralho fazem parte de um exército; os julgamentos da Rainha não admitem defesa e sempre terminam com penalidade capital: “corta a cabeça”; uma enorme lagarta azul se apresenta como o oráculo que sabe tudo; as pessoas podem encolher e ficar gigantes ao beber simples tônico, é uma verdadeira e inebriante estória de fadas.

Mantendo a mania de criar sempre um mundo fantasioso, entrei em outro portal, voltanndo no tempo. Era por volta de 1964, lá não existiam animais falando; nem exército de cartas de baralho; nem largata azul que "sabe tudo". Muito pelo contrário, o exército era composto por homens bem armados e treinados, e até existia uma espécie de “homem que pensa saber tudo”, mas os julgamentos tinham direito a defesa, mesmo perdendo para o poderoso Estado de então.

As decisões poderiam até ser injustas ou ilegítimas diante da “ditadura”, mas os advogados tinham direito a voz, tinham direito de fazer a indispensável sustentação oral, ou quando menos, pedir a “palavra pela ordem”.

Não me contentei com esse primeiro portal, e sai de 1964 indo para outro ano qualquer, por ironia do destino, lá encontrei uma Corte no País das Maravilhas.

Nessa Corte maravihosa, os julgadores recebiam os advogados em audiência; os processos andavam sem a necessidade dos advogados se humilharem; durante os julgamentos era concedida, respeitosamente, a palavra aos advogados no estrito respeito do direito de defesa, e mesmo atrasando-se um pouco o julgamento ganhava a justiça, vencia a paridade de armas nos processos que se buscavam a verdade real.

A exemplo de Alice no País das Maravilhas, logo me belisquei no braço e por pura infelicidade, acordei. Que pena, acordei!!!

Voltei para o mundo real onde, em alguns Estados, raros são os juízes que escutam os advogados, e muitas vezes, por desconhecimento da lei ou do processo, têm receio de conceder a palavra para simples esclarecimentos de fato. Nesse universo colegiado nega-se até direito sagrado do uso da palavra na tribuna “pela ordem”, passando o julgamento pelo voto de juizes vogais desapercebidos.

O direito de voz aos advogados é assegurado pelo brioso Estatuto da OAB, embasado do princípio da indispensabilidade do advogado para administração da Justiça, petrificado no art. 133 da Carta Política, mas aqui, algumas vezes, lei é um mero detalhe.

Em verdade o acumulo de serviço tirou o brilho dos Tribunais Superiores, com julgamentos judiciosos e esclarecidos, para aplicar julgamento em bloco com centenas de recursos, sem ao mesmo nominar as partes que estão sendo julgadas e ler o resumo das decisões.

Os Tribunais Superiores exigem a interposição de recurso aclaratório para prequestionamento, e os inferiores cominam severas penas de multa pelo exercício do dever exigido, que se não obedecido, inviabilizará a subida do recurso.

Parece até brincadeira, mas é nesse paradoxo em que vivem os sofridos advogados em alguns Estados, que sem defesa, esperam muitas vezes passarem por um portal mágico para ficar diante de uma “Corte no País da Maravilhas”.

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terça-feira, 4 de maio de 2010

Adoção Homoafetiva


Nos últimos anos a Justiça vem andando bem mais rápido do que a atuação dos órgãos legiferantes em geral. Essa atuação elastecida no direito é denominada pelo meios forenses de “ativismo jurídico”, e, muitas vezes, cria novos institutos jurídicos ou mesmo reformula paradigmas até então petrificados pelo sistema.

Já tivemos a oportunidade de tratar de várias hipóteses de ativismos jurídicos que foram prejudicais ao sistema normativo vigente no Brasil.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça, através de decisão histórica, reconheceu a possibilidade jurídica de adoção de crianças por um casal homossexual domiciliado na Cidade de Bagé interior do Rio Grande do Sul.

Nesse julgamento, a justiça gaúcha já havia considerado perante a primeira instância que a união homoafetiva seria considerada hipótese de unidade familiar, o que bastaria, nos termos da Lei, para autorizar adoção de criança, inclusive, resguardando o direito de realizar o registro na Certidão de Nascimento do menor com os nomes do casal homossexual.

A decisão caiu como uma bomba no cenário eclesiástico, onde, alguns conservadores repudiaram com veemência a decisão do STJ, já que no entendimento destes nunca deveria sair das hostes do Tribunal da Cidadania uma decisão tão polêmica, mas sim através atuação do Congresso Nacional, após ampla discussão.

Para essa parcela da população a adoção por pais ou mães homossexuais gerariam problemas gigantescos na integridade psíquica do menor, que cresceria desajustado emocionalmente e viveria a margem da sociedade, sem poder escolher por uma criação dentro do ceio familiar “normal” e segundos as regras de Deus.

Um ponto básico deve ser ressaltado, seja quem for a instituição adotante, imperioso a fiscalização constante para evitar ataque a dignidade do menor, nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Impossível olvidar a necessidade de realização de um longo estudo científico sobre essa nova modalidade de adoção oficial, já que existem vários casos em que menores são “criados” por casais homossexuais sem a devida chancela do Estado.

Particularmente vemos a situação homoafetiva nos dias atuais com outros olhos, abstraindo sempre dos paradigmas fixados sem qualquer fundamentação cientifica, mas que principalmente desrespeita a dignidade da pessoa humana, que tem como princípios básicos a igualdade e equidade.

Na realidade a vida dos menores orfãos e abandonados é bem diferentemente do que acontece na trilogia de Harry Potter, onde, o menino órfão inglês foi resgatado por bruxos para viver e estudar na fantástica Escola de Bruxaria de Hogwarts, onde a comida aparece num passe de mágica e todos andam bem vestidos, além de receberem exemplar educação.

No mundo e principalmente no Brasil as coisas são muito diferentes.

Dados estatísticos do IBGE revelam o crescimento vertiginoso de menores que atingem a maior idade, sem que sejam adotados.

Diante de dados estarrecedores, o juiz vem se esbarrando em um questionamento: A união homoafetiva seria uma entidade familiar?

Nesse questionamento as pessoas colocam todo o seu preconceito, mas acreditamos que não possa deixar de entender que a união homoafetiva seria sim, um tipo de entidade familiar. Seria uma modalidade familiar diferente, das até hoje conceituadas.

É certo que não seria união estável, nem casamento e nem muito menos o vetusto concubinato, poderia até ser denominada de “união estável homoafetiva”, para os casos em que as pessoas não firmam contrato, mas vivem em unicidade de relação; e a “união homoafetiva”, representada por aquela onde existisse contrato.

A decisão do Superior Tribunal de Justiça acertada ou não rompeu barreiras e dividiu com certa parcela da população a intangível responsabilidade pelas crianças abandonadas e órfãs do Brasil, oportunizando que qualquer união de pessoas em sociedade realize seu papel social.

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