sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Ficha Suja IV - Torre de Babel


Ontem a classe jurídica brasileira, e boa parte da população, com interesse no processo eleitoral parou ... parou para ver o que no final não viu!

Por conta do clima pós-inverno em crise alérgica, me recolhi em casa, para assistir a polêmica sessão plenária do Supremo Tribunal Federal, na análise do processo do ex-Senador da República, Dr. Joaquim Roriz.

O processo discutia a aplicabilidade ou não da Lei Complementar nº 135/2010, para as eleições correntes, com repercussão em todo processo eleitoral do Brasil, já que, inúmeros candidatos tiveram seus registros de candidatura indeferidos, na imediata vigência e aplicação da chamada lei ficha limpa.

A expectativa do julgamento iniciado no dia 22 de setembro teve continuidade no dia seguinte, após pedido de vista do Ministro Dias Toffoli realizado em meio a grandes e acaloradas discussões jurídicas.

A sessão plenária do STF começou por volta das duas horas da tarde, com aparente calma e tranquilidade dos Ministros, sem os “apartes” inflamados do dia anterior, com todos respeitando a palavra de quem fazia uso.

O Ministro Cesar Peluso havia levantado “questão de ordem” para análise de suposta inconstitucionalidade formal da lei ficha limpa, em razão de “emenda de redacional” de tempo verbal no texto, em desrespeito ao sistema bicameral do Parlamento Brasileiro, sendo rejeitado pela maioria do Plenário do STF.

No mérito, após quase dez horas de julgamento, com inúmeras contendas conflagradas, o placar da votação apresentava cinco votos para aplicabilidade da lei ficha limpa e outros cinco votos pela inaplicabilidade, em respeito ao comando do art. 16 da Constituição Federal.

Na verdade, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade, por maioria de votos, da Lei Complementar nº 135/2010, contudo, quanto à eficácia para eleições de 2010, houve empate.

Ao leitor que não conhece a estrutura do Supremo Tribunal Federal difícil entender como um julgamento em um Tribunal ficaria com votação empatada, sem vencido ou vencedor.

Muito simples: o STF é composto por onze Ministros, contudo, hoje a nossa Corte Constitucional encontra-se com dez Ministros, face à recente aposentadoria do eminente Ministro Eros Graus.

Com audiência recorde, a TV Justiça alimentou portais, blogs, sites e o twitter estava a mil, ao tempo em que o placar dos votos apresentava empate.

Em todos os registros e comentários dos setores públicos de divulgação predominava gozação generalizada e desrespeitosa à maior Corte Judiciária do país, demonstrando não saber como decidir um processo com votos empatados.

O Presidente Cesar Peluso aparentava-se nervoso e com clara dificuldade em comandar o Plenário do STF.

Quanto mais os ministros discutiam, distanciavam-se da serenidade exigida pela difícil arte de julgar, dando impressão do fenômeno bíblico da Torre de Babel: o material pedido era entendido diferente da realidade e a torre parou...

Os entendimentos dispersos dos Ministros chancelaram a incompetência de não conseguir atingir o ápice da torre judiciária, ficando um julgamento sem decisão!

A ausência de decisão do STF, só piora a situação dos ditos “fichas sujas”, agora mergulhados na incerteza e insegurança jurídica, já que quase sempre na dúvida vota-se em candidato apto e não em impugnado.

Estarrecido e decepcionado, fui testemunha de que a última trincheira da democracia brasileira, parou como uma inocente criança que não consegue montar simples quebra-cabeça infantil.

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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Justiça dos Ricos


Até parece que foi ontem, quando chegava a Cidade de Sousa, no alto sertão da minha Paraíba, acompanhado do meu genitor, para me estabelecer e iniciar meus estudos no vetusto CCJSS – Centro de Ciências Jurídicas e Socais de Sousa, Campus VI da UFPB.

Naquela oportunidade com pouco mais de 18 anos de idade trazia a falsa e aparente imaginação, fruto do calor da natural fantasia de jovem acadêmico, de que tudo seria resolvido pela Justiça, daí o meu desejo de chegar tão jovem ao título de bacharel em direito e depois advogar.

Hoje em 2010, passado alguns anos, já advogado militante e professor universitário, venho tomar consciência de que aquilo que o jovem estudante de direito pensava não passou de um sonho.

Na Paraíba atual os processos são mergulhados na morosidade, para desespero dos jurisdicionados, tendo o CNJ como "salvador da pátria" fazendo promessas e forçando juízes e serventuários a cumprir as famosas “metas 1, 2 e 3”.

Doutro lado, os bravos servidores sem apoio dos órgãos superiores, com salários achatados, ameçados de perda de vantagens conquistadas a duras penas, promoveram a primeira grande greve geral na história do Poder Judiciário paraibano.

Nos últimos anos, os valores consignados no orçamento anual do Judiciário Paraibano foram drasticamente reduzidos suprimindo a possibilidade de crescer, para de forma claudicante, o que chamaram de medida técnica, reduzir o horário de expediente pela metade, na contramão da modernidade e da excelência da prestação jurisdicional, prejudicando os operadores do direito.

Tem faltado ao judiciário, desde diálogo até aplicação de investimentos em recursos humanos com os serventuários.

Padece a combativa classe advocatícia, de grandes e inconcebíveis dificuldades no acompanhamento processual, como o ridículo caso da genial implantação de sistema de distribuição dos processos com os serventuários serem definidos pelo "dígito dos processos". Por exemplo todos os processos com "dígido 1", daquele cartório, ficam exclusivamente a cargo de determinado servidor.

Parece até piada, mas é verdade ter comparecido a determinado a cartório para exame de processo e não fui atendido sob o fundamento de “o digito está de férias” e não tinha quem procurasse tal processo...

Até procurei saber de quem tinha sido a luminosa ideia da criação do "dono do dígito" dos processos, mas ninguém soube informar.

Contei este hilário episódio em sala de aula sob o título da “história do digito de férias”, momento de muita gargalhada pelos meus alunos, na advertência de não se iludirem como aconteceu comigo nos estudos perante à UFPB.

Agora mesmo, todos os órgãos de imprensa e comunicação virtual, anunciaram ser o Judiciário paraibano o que cobra as mais altas custas processuais desse Brasil, tornando o acesso à justiça privilégio de poucos.

Recentemente fui contratado por uma empresa do sul do país para promover ação de cobrança de valores devidos por empresa de economia mista na Paraíba.

Depois de preparado o estudo jurídico e elaboração da respectiva peça, comuniquei ao cliente que as custas judiciais do processo, sem o valor das primeiras diligências, era fixado em mais de 56 mil reais.

Em contato telefônico com o empresário sulista, secamente obtive a seguinte argumentação: “Doutor, a Justiça da Paraíba é para ricos, sou Empresário lutador modesto e não vou colocar dinheiro bom em coisa ruim. E mais, Doutor, já sei que a Justiça da Paraíba não anda mesmo... vou tentar um acordo, mesmo que perca mais da metade do meu crédito.”

Outro exemplo do dia-a-dia forense foi o caso de motorista que fora multado indevida e abusivamente no trânsito, e achou mais barato pagar a injusta multa do que pagar as intoleráveis custas judiciárias paraibanas.

Não tenho como justificar aos clientes o absurdo dos valores cobrados pelas atuais custas processuais determinados em lei de iniciativa do Poder Judiciário, com o agravante da inexistência de celeridade processual.

Os operadores e estudiosos do direito poderiam até dizer: porque não pedir justiça gratuita?

A resposta é sempre a dificuldade, cada vez mais difícil na obtenção da concessão dos benefícios da justiça gratuita na Paraíba, com exigências que ultrapassam a declaração pessoal de pobreza, nos termos da lei, com casos de até ser determinada a quebra do sigilo fiscal.

Vale lembrar que o estado de pobreza na forma da lei é incidente apenas sobre o aspetco financeiro, nunca o econômico, sob a consequência direta de as altas custas e os emolumentos ameaçarem em prejuízo do próprio sustento e da família.

Na verdade, em se tratando casos de valor alto, nem mesmo aqueles que recebem justos salários como magistrados, promotores, conselheiros, procuradores e outros, também não podem suportar os valores atribuídos às mais caras custas judiciais do país, sem pesar no bolso, um verdadeiro absurdo diante da regular contraprestação estatal.

Me preocupa o futuro, não tão muito longe, ousando sonhar uma boa nova para meus filhos ou netos de terem uma Paraíba melhor e justa na cobrança fiscal do acesso à justiça, sob pena de o povo sofrido, cansado por esperar não queira fazer justiça com as próprias mãos!

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